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Deixem o Indie em Paz

O que estão a fazer com a Antena 3?

Desde que comecei a fazer cerca de duas horas de carro todos os dias da semana, passei a ouvir muito mais a Antena 3. Apreciava o facto de haver muito pouca publicidade (há rádios que pura e simplesmente não se aguentam de tanta publicidade), gostava da programação, das músicas e dos radialistas. No seu conjunto, era uma rádio que funcionava bastante bem, pelo menos durantes os períodos em que a ouvia (geralmente, das 7h30 às 8h30 e das 18h às 19h). Depois da saída do Diogo Beja para a Rádio Comercial, percebi que as coisas não iam voltar a ser as mesmas, gostava muito dele, havia uma química muito grande entre toda a equipa das manhãs e era ele o principal responsável por isso, mas, mesmo assim, continuei a ouvir.

No entanto, há uma ou duas semanas (o que, salvo erro, coincide com a entrada da Mónica Mendes para o horário da manhã, antes estava o Miguel Freitas a substituir o Diogo Beja), notei que vários programas tinham desaparecido do horário a que estava habituada a ouvi-los. A saber, o Às Duas por Três, com o Camilo Lourenço, os Pontapés na Gramática e o Não Digo Nomes. Este fim-de-semana, soube que O Todo-Poderoso, com o Daniel Leitão, havia chegado ao fim.

Pelo que investiguei, alguns programas mudaram de horário, enquanto outros parecem mesmo ter acabado. Não sou particularmente fã da ideia de agora estar tudo a mudar, parece que estão a tentar esquecer o Diogo, a formatar algo que estava muito bom. A mudança nem sempre é boa. Deixar de ouvir quase todos os programas que estava habituada a acompanhar de manhã também não. Não fazer qualquer referência ao assunto durante a programação muito menos (se a houve, devo tê-la perdido, mas considero que nunca seria demais referir que as coisas estavam a mudar). Toda esta posição reforça ainda mais a ideia de cortar com o passado de forma brusca, fingindo que o mesmo nunca aconteceu. 

Já pouco faltou mais para não os voltar a sintonizar, meus caros.

 

Grávidos de generalizações

Parece que, de duas em duas semanas (isto sou só eu que gosto de estabelecer padrões, não deverá continuar perpetuamente assim, ok?), há um artigo controverso no Observador relativo a literatura. No final de Fevereiro, foi Joana Emídio Marques que vaticinou o declínio de António Lobo Antunes, esquecendo-se, no entanto, de referir que o mundo literário mudou radicalmente desde os tempos em que ALA vendia cem mil exemplares. A oferta é maior, os interesses são outros, os autores são aos milhares, os livros e os não-livros idem, enfim, toda uma panóplia de coisas que faria toda a diferença referir num artigo deste género, como muito bem argumentou a Vanita na altura.

 

Desta vez, é João Pedro George a centrar-se em meia dúzia de respostas de autores portugueses, quando questionados acerca das suas fontes de criatividade, tirando daí uma conclusão sem o mínimo de sustento. Vejamos uma das respostas que JPG usou para sustentar o seu argumento e a sua pronta conclusão.

 

(sobre José Riço Direitinho) “Faz algum esboço das suas personagens e trama?” O escritor, peremptório, garganteou: “Não, elas vão aparecendo. Deixo-as entrar, ou não.” “Como é que dá o nome às suas personagens”, continuou a jornalista. “Baptizam-se elas próprias. Quando chegam é como se já tivessem nome”, asseverou o escritor, com uma gravidade digna de Prémio Nobel.

(…)

Lá fora, o ofício de escrever depende da planificação e do método, implica ler e estudar muito, exige passar várias horas por dia a escrever. Os escritores portugueses não vão nisso. Trabalho, aprendizagem, disciplina, esforço, estudo? Isso seria cair no óbvio e na redundância, deixar-se encurralar nos lugares comuns e no tédio das frases feitas, das fórmulas gastas.

 

Penso que não sou só eu que consigo, perfeitamente, crer que os assuntos ou os nomes de personagens possam advir de um acaso, de uma súbita lembrança ou epifania, e até que não se façam esboços da trama. Com essa mesma crença, também defendo que nenhum escritor tem a obrigação de dizer explicitamente aquilo que o inspirou (embora muitas vezes gostássemos de o saber), podendo este indicar as mais variadas razões para tal (sendo elas verdadeiras ou não) e cair no lugar comum da inspiração divina se assim o entender. Agora, daí a extrapolar que o ofício de escrever em Portugal se trata de um acto abençoado pelo Espírito Santo? Que os escritores portugueses não vão nisso de ser disciplinado, aprender, planificar, ter um método? Ah, como eu aprecio o eterno problema das generalizações e de como alguns podem ser tão básicos a usá-las.

Não sejamos tontos, fica bem dizer que “a mão caminha sozinha”, mas, eu, pelo menos, nunca acreditarei que certos romances não sejam lidos e relidos e revistos e repensados até se chegar ao mais próximo que há da perfeição, mesmo que a história se vá escrevendo por si, fluidamente, e não há absolutamente nada de mal nisso, até porque a mão caminhar sozinha não invalida nada. Se certos escritores gostam de nos fazer crer que é tudo fácil, deixemo-los gostar e concordemos em discordar, está bem? Mas com maneiras e inteligência, sim? Não tirando conclusões precipitadas julgando que se terá imensa piada. Não terá.

 

Ainda não sei se esta opinião se irá auto-destruir ao fim de algum tempo, mas precisava muito de a deitar cá para fora.